Um fator responsável pela minha demora de compreensão e aceitação da lesbianidade pode ter sido a falta de lésbicas ao redor. Eu tinha uma amiga próxima, lembro de mencionar sobre minhas dúvidas uma vez ou outra. Não lembro se a gente chegou a conversar de fato sobre isso, e por conta de outras questões eu acabava deixando essa de lado. Por outros motivos, sempre me senti sozinha — mas a solidão lésbica já morava em mim sem que eu a compreendesse ou soubesse seu nome. Não imaginava que aquele vazio era tão específico, que tentar seguir o convencional não o preencheria (só deixaria maior), e a solidão lésbica não acaba nos dezoito, nem nos vinte. Não sei se acaba totalmente porque a sensação de solidão em si nunca acaba em definitivo, você sempre volta a se sentir só, fica sem tempo e se retrai com o passar dele.
Há diversas questões que implicam na solidão lésbica: situação regional, a falta de diversidade e alta do conservadorismo (incluindo questões religiosas), a falta de tempo ou a simples falta de jeito. Uma vez vi alguém perguntar “como faz amizade na vida adulta?” e fora da internet, também não sei. A timidez e a introversão não ajudam, a gente sabe, e acho que fica mais difícil sendo parte de uma minoria. Nós temos recursos para nos encontrarmos, e gostaria de ressaltar algo que acontece no ig da safosapa (teve recentemente, mas já foi encerrado): elas costumam abrir troca de correspondência para que lésbicas se encontrem por meio de cartas (cartas mesmo, com envelope e selo). Você preenche o formulário e depois recebe um endereço via e-mail, escreve algo para a sua correspondente (e ela pra você), podendo incluir o que você quiser. É uma forma de se conectar — e de repente você descobre alguém perto de ti. Meu conselho é já seguirem elas no ig e ficarem de olho na próxima troca postal; elas também são responsáveis por artes lindas que nos espalham por aí.
[link sobre a troca postal https://www.instagram.com/safosapa/p/DHL91DWPE3p/]
A solidão lésbica é diferente da solidão-em-si porque é como ter algo que nenhuma das suas amigas entenderia na prática. É possível entender muita coisa na teoria com a bela habilidade de se colocar no lugar do outro — mas justamente a falta de ter alguém que vive os mesmos sentimentos, situações e questões que você numa coisa tão particular é um pouco angustiante. É como olhar em volta e não ver nada tão próximo assim, como se o timbre de cada voz estivesse a uma medida a mais de distância, como se mesmo a pessoa que você mais ama não pudesse entender uma peça sua. Até se pode mostrar e explicar, mas é algo que ninguém consegue tocar — nem sentir a textura e nem o peso.
A lesbianidade é solitária e a vida é solitária em todas as suas fases (e nada é constante porque nós somos seres inconstantes e inconsistentes na mesma medida), mas creio que conforme o tempo passa, conforme nós conhecemos um pouquinho do mundo além daquele que nos cerca, ela pode sim ser diminuída. Você pode mudar de cidade e começar do zero um dia, você pode ir num bar sem sentir desconforto, pode achar eventos e só ir só pra ver como é. Nossa história foi apagada ao longo dos séculos, amores (que nunca teremos noção do percurso e da intensidade) já foram colocados como amizade. Hoje ocupamos espaços. Ainda não é o ideal, mas já alcançamos tanto. Temos referências e temos mais representatividade do que havia dez anos atrás. Daqui a dez anos tudo pode ser diferente, nós podemos ter mais.
[isso me recorda de lembrá-las sobre a importância da época de eleição: olhem sempre para candidatas mulheres, pretas, indígenas e LGBT+. essas pessoas precisam ocupar a câmara e o congresso. precisamos fortalecer a base lá dentro para que tenhamos projetos aprovados. sugiro que sempre estejam de olho nas redes da Erika Hilton e da Amanda Paschoal, minha vereadora! entre outras]
O que você pode tentar fazer é localizar lésbicas perto de você, locais lgbts onde você mora, etc (explorar o maps pode ser uma grata surpresa). Eu diria para evitarem aplicativos de conversa e relacionamento (e se for usar, use com cuidado) e não encontrem alguém pela primeira vez sozinhas, escolham locais públicos e com movimento.
A solidão lésbica não some completamente, mas dá pra minar. A solidão em si não desaparece — ela retorna. Isso se aplica a qualquer outra coisa porque ninguém consegue ter uma vida tão linear.
Que se dane! Abrace a inconsistência! Tem dias que você vai se odiar, que tudo vai estar uma porcaria, que a vida não vai estar nem perto de ser o que se esperava dela — é normal. E essa sensação passa — e volta. Do mesmo modo que o prazer passa (e volta), que a felicidade passa (e volta), que o amor acaba — e te reencontra. Não é muito diferente de viver um luto; vida e morte são montanhas russas constantes que nós sentimos de diferentes e diversas maneiras. [texto]
O que posso te dizer é: respira, vai passar. O que você sente não é sozinho, mas mora em outros corpos lésbicos, mãos, dedos, bocas, ouvidos, internos e externos que sentem uma intensidade tão similar à sua, que tem as pluralidades, que veem mulheres como você vê. Do mesmo jeito que você vai se apaixonar e vai encontrar reciprocidade, vai achar alguém para compartilhar isso. Todo mundo precisa de amor, mas todo mundo precisa de amigos primeiro.
Locais lésbicos pra você descobrir em SP
Seja você residente ou turista, São Paulo pode sim não ser um porre completo de estresse e multidão. Aqui estão alguns lugares pra você ir e de repente experimentar uma coisa nova (minha dica pra andar por aqui é sempre ver qual é a estação mais próxima do local e se orientar a partir dela, não do local onde você mora/se hospeda porque o maps dificulta a circulação pela cidade adicionando ônibus e distâncias desnecessárias e uber não compensa, o metrô é rapidinho e mais em conta):
ilha di safo - casa de cultura + bar + estúdio de tatuagem + barbearia; se você quer uma tattoo nova, um drink, corte, música e um local tranquilo só com mulheres, pode ser que esse seja o seu lugar! (Rua Nilo, 478 - Aclimação)
forró sapatão - quer aprender a dançar um forrozin ou um achar um par pra isso? o espaço é exclusivo para mulheres e tem aulas de forró semanal. Tudo é postado regularmente no ig. Festa junina tá chegando, se adiante mulher! (Rua Formosa, 65 - Centro; o endereço pode variar dependendo do evento, verifique no ig!)
bar do orgulho - um bar lgbt com diversos drinks, comida, música e karaokê. O espaço sempre posta uma programação diferente, vale a pena dar uma olhada! (Rua Simão Álvares, 427 - Pinheiros)
bar Das - além do tradicional de todo barzinho, o espaço promove diversos eventos. Já foi responsável por promover exposições, lançamento de livro e exibição de novela, além de outras dinâmicas. (Rua Fortunato, 133)
aproveita e deixa um comentário com um local que você conhece! já frequentou algum? tem vontade de frequentar? qual?
com carinho,
bê;
passei anos sentindo essa solidão mesmo quando me forçava a acreditar que era bissexual, depois de mts anos eu finalmente descobri o pq sempre me senti sozinha mesmo rodeada de amozades bi/pan... conseguir finalmente dizer em voz alta que sou lesbica e não ter uma pessoa lésbica ao meu redor pra dividir isso foi um baque que eu mal consegui me recuperar ainda... foi muito esclarecedor, mas ao mesmo tempo essa solidão bateu ainda mais forte.
magnífico texto! conseguiu expressar direitinho nosso cotidiano. Vivo em um grupo diverso, porém de lésbica somente eu. meus amigos gays só tem a mim de lésbica próxima…sem contar que acho difícil conhecer lésbicas, aonde estão? Só quem passa sabe como funciona. Obrigada por esse texto!