A mudança tinha sido um tanto quanto exaustiva e eu ainda estava finalizando a decoração da casa. Parecia que a única coisa que estava pronta era o jardim — justamente por estar em constante renovação. Nada fazia tanto sentido quanto a renovação, a independência do ciclo. Me agradava ficar ali, mexer na terra, apenas olhar tudo crescendo. Os insetos nunca me incomodaram muito, e como não estavam estragando nada, continuei a tolerá-los.
No geral, o bairro era bem quieto. Não era um local de muito movimento, as ruas principais e a avenida ficavam há duas quadras. Foquei no jardim porque precisava de uma ordem, algo que me desse tranquilidade, e fazia melhorias o tempo todo dando até mais atenção do que o necessário. É que a necessidade era minha.
A casa à esquerda estava vazia e à direita era sempre um silêncio. Desde que cheguei vi a moradora do lado pouquíssimas vezes, e em algumas ela não havia me notado. Estava sempre com os fones de ouvido e parecia desfocada das coisas ao redor, encolhida no próprio mundo, fosse como fosse. O portão dela era todo coberto, diferente do meu, e eu não tinha ideia de como era do outro lado do muro. A peguei olhando o meu jardim algumas vezes, e me pareceu injusto que só uma de nós matasse a curiosidade. Ela me parecia ser tão só. Nunca vi ninguém além dela entrar ou sair da casa, não ouvia nada, nem miados e nem latidos. Eu estava esperando ter tudo adequado para adotar um cachorro já que Daudi, um golden de quatro anos, tinha ficado com a minha irmã.
A casa era maravilhosa, a entrada era na sala, ao lado tinha a cozinha, um banheiro e então o quarto. No fundo tinha um espaço coberto de telhas brancas com máquina e tanque, era cimentado e cinzento, mas as paredes eram (felizmente) revestidas com pastilhas azuis e azulejos brancos. Migrei dois vasos pendurados no jardim para lá para dar algum charme.
A sala era meu cômodo favorito com uma curvatura enorme com janelas. Era um ótimo espaço para descansar, meu carro ficava estacionado em frente. Ele era simples e um pouco antigo, mas cumpria a função sem explodir. Arrumei a sala com um sofá usado que tinha um defeito aqui e ali que não foi difícil reparar, um móvel comprido e baixo de madeira com quatro portas que pensava em remover, uma estante curta com três prateleiras e duas portas na parte inferior, um tapete grande e redondo, uma mesinha de centro e um relógio analógico na parede. As paredes eram claras, mais puxadas para o tom amarelado.
A cozinha era revestida com azulejos, contava com uma estante de metal com prateleiras amadeiradas e a mesma configuração de duas portas, também amadeiradas. A bancada era do lado direito, e pela falta de janela num lado (a parede dividia os terrenos), tinha a janela do corredor. A luz alcançava a cozinha através da grande abertura que substituía a porta. O banheiro era simples; dividia-se entre azulejos brancos no geral e azuis em formato de prisma no chuveiro, e estes alternavam somente em tons claros.
O quarto tinha paredes de cor creme e uma amarela em um tom de curry, e o que tinha além da cama era um espelho abstrato cheio de curvas, uma mesa de cabeceira no lado direito e um guarda-roupa com treliça nas portas. Ainda estava decidindo sobre como dar mais vida a ele e cogitava comprar uma planta que não precisasse de sol direto; a janela para a lavanderia permitia uma boa entrada de luz. Também estava decidindo sobre como organizar meu trabalho; não gostei de como ficou na sala e estava tentando organizá-lo no quarto, mas estava difícil. Por fim, e ao menos por hora, separei um canto no quarto pra isso, mas estava cogitando arranjar na lavanderia. Sendo ceramista, precisava de um lugar para colocar as peças e o forno. Me ocupei tanto que não tive tempo de me sentir só, e minha irmã me ligava de duas a três vezes por semana. Agora que tudo estava mais organizado, eu começava a sentir o silêncio e procurava por feiras de adoção nas redondezas.
Demorei muito a ver a vizinha silenciosa direito. Foi numa noite em que eu voltava do café que descobri poucos dias antes. Ela estava recebendo uma entrega quando olhou para mim, olhou diretamente para os meus olhos. Estava com o cabelo preso, uma roupa curta e um casaco. Eu pude notar que ela se desconcertou um pouco, talvez por timidez, mas ainda me olhava. Sorri, ela sorriu, senti o arrepio na minha pele e culpei o vento. Entrei sentindo o rubor em meu rosto.
Na mesma semana, fui para uma feira de adoção num parque há quatro quilômetros, saí com o carro por volta do meio-dia e ao chegar me deparei com balões na entrada, cães por todos os lados, gatos em caixas de transporte e pacotes de ração empilhados num canto. Passei pelos cercados e logo uma mulher veio falar comigo. Ela usava um avental laranja, óculos de armação vermelha, tinha o cabelo curto e parecia estar nos quarenta e poucos anos. Veio sorrindo tão amigavelmente que sorri no mesmo momento.
— Oi, posso ajudar? — ela disse. Sua identificação dizia “Priscilla”.
— Vim adotar um cachorro.
— Ótimo! Alguma preferência?
— Não, não.
— Perfeito. Já viu os cercadinhos? Alguns dos nossos cães estão passeando agora, todos foram vacinados e castrados. Se quiser passear com um, é só pedir.
Olhei os cães dentro do cercado. Um deles era branco com manchas pretas, pulava na grade sempre que via uma pessoa e abanava o rabo constantemente; enquanto eu olhava, alguém pedia para passear com ele. O outro era todo marrom, um tanto peludo e arfava olhando para fora. Avistei uma com pelagem rajada (esses me lembram bolo formigueiro) sentada no canto e olhando ao redor com olhos tristes. Ao me perceber, o rabo bateu timidamente no chão. Fiz um gesto para que ela viesse até mim, ela se levantou um tanto receosa e cheirou minha mão com os olhos atentos antes de se apoiar na grade.
— Oi — eu disse.
— Essa é a Eva — Priscilla disse. — Parece que ela gostou de você. Quer dar uma volta com ela?
Ela já estava com a coleira em mãos. Tirou Eva do cercado e esta pulou em minhas pernas esticando as patas. Recebi um frisbee, água e petiscos para dar a ela durante o passeio. Fui andando pelo parque e ela me acompanhou tranquilamente, andava ao meu lado e arfava, parava para cheirar um canto ou outro — e nisso outros cães paravam e interagiam brevemente com ela, enquanto eu e quem estivesse com o cão assentíamos um para o outro quase como uma interação desconfortável.
Eva e eu corremos pelo parque e encontrei um local amplo e vazio para jogar o frisbee. O sol estava muito forte, então não prolonguei muito. Fomos para perto do lago e ela latiu para os patos, causando o grasnar assustado. Desde o momento que a vi soube que não sairia dali sem ela, além de que não consigo viver sem um cachorro. Depois de um descanso retornei com Eva para os cercados e informei à Priscilla que iria adotá-la. Preenchi um formulário e tirei uma foto com Eva que disseram que iria para o quadro de adoções. Os voluntários se despediram e ela parecia feliz.
A coloquei no banco de trás do carro; em cinco minutos ela já havia saltado para o da frente. Sorri e acariciei suas costas. Dali, fomos a um pet shop próximo onde comprei tudo que ela precisaria: uma cama amarela, um pacote de ração, petiscos, potes, etc., e ao passarmos pela seção de brinquedos Eva parou e encarou um elefante azul. As patas e orelhas tinham um tom azul mais escuro, o que considerei um charme. O peguei e coloquei na sua frente, Eva o pegou e ficou com ele na boca até chegarmos no caixa. Teve pouca resistência quando o tirei. Um dos atendentes me ajudou a levar as coisas para o carro e deixei que ela fosse na frente de novo aproveitando o vento na janela. Quando chegamos, ela cheirou tudo cuidadosamente enquanto eu tirava todas as coisas do carro; eventualmente, me seguiu para dentro e deu voltas cheio de agito explorando o lugar. Coloquei os potes de comida na sala, a cama no quarto próxima da minha e joguei o elefante para ela brincar.
Eva foi se adaptando bem, não é grande perda pular essa parte. No primeiro dia me seguia com frequência e ia ao jardim, cheirava tudo de novo e raspava as patas traseiras, observava as coisas que eu fazia e corria para fora a qualquer barulho, chorava e ficava agitada vez ou outra (me avisaram que poderia acontecer), tentei acalmá-la como pude e a levei para passear todas as manhãs para ajudá-la a se acostumar com o lugar. Observei as abelhas e fiquei mais aliviada quando vi que não se aproximavam dela, e Eva tampouco se importava.
Num desses dias calmos, peguei a escada para alcançar as frutas que estavam no alto. Subi com um balde, o apoiei no muro e comecei a puxar o que já estava bom. Foi no quinto que meu cotovelo esbarrou no balde e ele caiu. Entrei em pânico ao vê-lo cair em cima da garota que morava ao lado sentada na mesma direção de onde eu estava, ao que ela resmungou e levou a mão primeiramente à cabeça, e então aos olhos.
— Meu Deus! Você está bem?
Ela não me respondeu. O corpo balançava para os lados, e com medo dela desmaiar, pulei para o outro lado. Eva começou a latir.
— Moça, você está bem?
Ela continuava com a cabeça baixa e a mão nos olhos, resmungou algo ininteligível e segurei seu rosto delicadamente. Tinha uma aparência jovem e olhos levemente puxados. Havia uma mancha pequena e clara na lateral do nariz.
— Consegue se levantar?
Ela fez que sim e a ajudei. A levei para dentro, a coloquei no sofá e fui rapidamente pegar cubos de gelo, envolvi no primeiro pano que vi e voltei já posicionando a compressa.
— Eu sinto muito — eu disse. — Sinto muito mesmo, bati no balde sem querer. Desculpe entrar assim na sua casa, fiquei nervosa e achei que fosse desmaiar. Como se sente?
— Estou tonta… minha cabeça dói muito — ela disse se deitando.
— Quer ir ao hospital? Eu tenho carro, te levo.
— Não… não acho que seja necessário.
— Melhor irmos.
A levantei e ela não resistiu. Pegou primeiro as chaves, se desvencilhou de mim para o que devia ser seu quarto, voltou com uma bolsa um tanto desnorteada e a guiei pelo braço. Ao entrarmos pelo meu portão, Eva chorou e a cheirou andando ao redor de nós como se fôssemos ovelhas.
— Já volto, Eva.
Tive que impedi-la de entrar no carro e a coloquei para lá do portão recém instalado no corredor, bem na entrada. “Pobrezinha”, pensei. Acomodei a garota no banco do passageiro, saí com o carro e vi o portão fechando pelo retrovisor.
— Me desculpe, ainda não sei seu nome — eu disse.
— Catarina — ela respondeu.
Catarina. Cada sílaba ecoou devagar em minha mente, mesmo quando eu disse:
— Eu me chamo Cassandra.
— Cassandra? — ela perguntou.
— Isso. Como se sente? Dói muito?
— Bastante. Estou enjoada… ai! — ela levou a mão à testa.
Catarina deitou a cabeça no banco e segurou a compressa.
— Você amassou meus brotinhos? — ela perguntou. Sua voz, eu supus, estava embargada pela dor.
— Seus o quê?
— Quando passou pro outro lado. Pisou no canteiro, nos meus brotinhos?
— Acho que sim, desculpe. Mas eu te ajudo a arrumar. Minha mãe é botânica, cresci aprendendo sobre plantas.
Ela não respondeu. Chegamos ao hospital e os mínimos detalhes também são dispensáveis: Catarina fez um exame, a medicaram e eu esperei todo o tempo pensando nos brotos e caules que amassei, me sentindo ainda pior por tê-la machucado. Quando ela foi liberada, apareceu com um pequeno sorriso.
— Nem te enfaixaram? — brinquei.
— Não. Disseram que a queda declarou meu fim. Tenho apenas algumas horas de vida — ela brincou de volta.
— Te condenei, então.
— Certamente.
— Me deixe arrumar o estrago no jardim, pelo menos. E a tontura?
— Melhor.
Enquanto dirigia de volta, ela me contou que já estava nessa casa há cerca de dois anos, que a dona era aposentada e se cansou da cidade: pegou suas coisas e foi pro litoral. Disse que o quintal era lindo no começo, que ela mesma se descuidou.
— Ela teria um troço se visse que deixei tudo morrer. Havia uma roseira linda, só cuidei por um tempo e depois que tudo se foi, acho que num desses invernos fortes, não nasceram mais. Eu tive culpa também, não preservei como deveria — Catarina disse.
Então eu contei que há seis meses comecei o processo de mudança, que os donos foram para o interior depois de me entregarem a chave, que só agora adotei um cachorro, e não pude deixar de comentar que reparei nela passando de vez em quando.
— Eu acabei vendo seu jardim — ela disse com timidez. — E me inspirou a fazer algo.
— E eu o estraguei em parte — lamentei.
— É. Mas se me ajudar a arrumar, vai estar tudo bem.
— Eu vou, prometo. Está se sentindo melhor?
— Estou sim — Catarina sorriu. — Vou ficar bem.
— Que bom. Sinto muito de novo. Você sempre fica ali?
Ela pareceu hesitar em responder, mas imaginei que fosse o efeito dos remédios.
— Não muito. Tinha acabado de cuidar do jardim e parei para descansar.
Assenti com a cabeça.
Chegamos em casa e guardei o carro primeiro, Eva foi até o portãozinho e ficou agitada. Catarina lembrou que o balde e as frutas ainda estavam do outro lado, então me convidou para tomar café.
— Pode trazer ela, se quiser — disse apontando para Eva.
Com a angústia de Eva, acabei levando-a conosco. Ao passarmos pelo portão, a primeira coisa que vi foram três maracujás e o balde caídos. Eva foi cheirar o jardim e, no que fiquei preocupada, Catarina fez um sinal para deixá-la à vontade. Peguei o balde e as frutas (que decidi deixar para Catarina como presente de desculpas), e ao entrar reparei melhor na sala. Uma das paredes era revestida de pequenos e compridos tijolos vermelhos, contava com uma estante alta abarrotada de livros, outra baixa na parede da porta, sofá, tapete, televisão e um móvel comprido parecido com o meu.
Na cozinha, uma parede era revestida de pastilhas azuis, no lado oposto havia uma janela bem acima da pia e notei vasos pequenos apoiados ali. Tudo cheirava a erva cidreira. Ela colocou os maracujás na fruteira, separou um suporte de plástico para o coador e colocou a água para ferver. Olhei para a abertura com arco e vi os mesmos tijolos na parede do outro cômodo. A casa era comprida como a minha e bastante confortável.
— Você mora sozinha? — perguntei.
— Isso.
Eu queria perguntar se ela se sentia só, o que se fez dispensável quando ela mesma disse:
— Eu estou tendo mais tempo em casa desde que fui demitida.
— Sério? Sinto muito por isso.
— Tudo bem. Peguei um ótimo fundo de garantia. Achei que ia me aposentar naquela empresa — ela riu. — Ridículo.
— Por que te dispensaram?
— Ah, não fui só eu. Acho que a própria empresa está encaminhando para fechar e não quiseram fazer um estardalhaço sobre isso, então eles mesmos estão desfazendo as coisas aos poucos, sabe?
— Mania de dignidade.
— Ou de ego — ela disse.
O café ficou pronto e ela serviu em duas canecas, uma verde e uma rosada com flores amarelas.
— E você, o que faz? — Catarina perguntou.
— Sou ceramista. Estou tentando arranjar um espaço melhor em casa para as peças, trabalho, coisas assim. Não consigo bancar um estúdio — dei de ombros e tomei um gole de café, perfeitamente forte e de um sabor envolvente.
— Tenho espaço na lavanderia — ela meneou a cabeça para o cômodo de pequenos tijolos e blocos no chão. — Se quiser deixar algumas ali em algum momento, fique à vontade. Nunca uso o canto esquerdo, cabe uma estante ou algo parecido.
— Não vai te atrapalhar?
— Nem um pouco.
Eu sorri para Catarina, genuinamente grata por sua disposição, mas não conseguiria invadir seu espaço assim. Já não bastava ter invadido logo após aquele descuido — e de repente me lembrei do canteiro onde pousei.
— Posso ver o jardim?
— Claro.
Uma vez lá fora, não vi Eva e meu peito gelou. A chamei e ela veio arfando de trás da primeira parede, Catarina acariciou sua cabeça e Eva a apoiou em sua mão.
— Ela já veio com você quando se mudou? — perguntou.
— Não, adotei recentemente. Olha, ela gostou de você — sorri.
— Também gostei dela — ela sorriu enquanto brincava com Eva.
Observei o canteiro e havia, de fato, amassado alguns brotinhos. Busquei um fertilizante caseiro e palitos para fazer um apoio além de borrifar água cuidadosamente, isso costumava funcionar com minhas plantas que murchavam (mais pelo calor do que outra coisa), e eu esperei que fosse o suficiente. Passei algumas dicas de fertilizante e adubagem e torci para que desse certo.
— O que fazia no trabalho? — perguntei enquanto mexia na terra e plantava sementes extras caso aquelas estivessem perdidas.
— Contabilidade — disse Catarina.
— Que legal. Sou péssima com números. Consigo me virar por conta do meu negócio, mas fora isso… acho que me acostumei, mas não é minha parte favorita.
— Posso te ajudar nisso se quiser.
— Não é muito abuso? Já te machuquei, estraguei suas flores e tomei seu café — eu disse e ela riu.
— Não. Precisando, é só pedir.
— Pode contar comigo se precisar de algo também. Não conheço ninguém aqui, seria bom nos ajudarmos.
Eu não sabia o que ela achava sobre a solidão num geral, mas eu não aguentava ficar sem companhia — precisava pelo menos de um bichinho, e percebi que não havia nenhum na casa. Talvez ela não se importasse, mas não é da natureza humana precisar de companhia? Somos seres sociáveis, cada qual com a sua demanda de interação. Eu não sabia quanta companhia ela tinha nem quanto contato com outras pessoas, mas algo no seu jeito me dizia que não era muito. E apesar de Eva, eu sentia falta de ter alguém por perto. Já não veria minha irmã com a mesma frequência e era diferente ter alguém ao lado ao longo dos dias.
— Seria — ela disse. — Estou com tempo livre mesmo.
Sorri com a resposta. Terminei com a terra e disse para ela me chamar se precisasse de alguma coisa, sentindo que eu já tinha sido invasiva o bastante por um dia. Ela nos acompanhou até o portão e agradeceu pela ajuda e pelas frutas.
— É o mínimo que eu poderia fazer.
— É — ela sorriu sem graça. — Até logo, então?
— Até logo — sorri de volta e chamei Eva mais uma vez, distraída com os cantos do jardim, então entramos em casa.
Fui até o quarto e coloquei as mãos na cintura. Trabalhar ali era desconfortável e a lavanderia era muito pequena para mim, o quintal era um risco por conta das chuvas. Dei a volta na casa, pensativa. Parei na sala e olhei os móveis: ainda não tinha TV, considerava uma das últimas prioridades. Arrastei o hack comprido para a parede ao lado, deixando-o de frente para a entrada, no que Eva veio olhar com curiosidade e ficou por perto observando. Coloquei o sofá virado para ele com um dos braços encostado na parede, deixei a estante onde estava e arranjei o trabalho na janela. Arranjaria um carrinho com andares para colocar as peças e mantive o forno na lavanderia.
No mesmo dia, trabalhei em duas peças: um suporte de coador e um bule. As deixei descansando e fiz duas xícaras, já pensando em como decorar o conjunto. Enquanto terminava o fundo de uma delas, me distraí olhando pela janela e vi o fim do expediente dos insetos se aproximando. Começaram a surgir borboletas laranjas, columbinas e bem-te-vis. O pôr do sol era bonito dali, a luz entrava dourada pela janela e tomava todo o cômodo para si, expandindo a delicadeza da sua saturação. Fiquei feliz de ser uma rua totalmente dominada por casas e não ter nenhum prédio tampando aquela visão tão esplêndida; o momento chegava a dispensar luminárias. Me perguntei se Catarina também apreciava essa hora. Lembrei que ela disse que começou a cultivar seu jardim por conta do meu, notei que o maracujá se arrastava e invadia sua parte e a mamangava dava as últimas voltas do dia ao redor das flores. Ao olhar novamente o fundo da xícara, tentei desenhar uma abelha. Não ficou das melhores, mas se notava que era.
Apesar de ser viável expor as peças online, sentia falta de ter um lugar próprio para isso. Não conseguiria bancar dois aluguéis, então por hora teria que me conformar. Suspirei e levei Eva para passear antes de escurecer completamente.
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obrigada por ler e acompanhar o literatura lésbica.
*essa obra tem registro ISBN e autoral; qualquer reprodução indevida é passível de medidas legais. confira o post explicativo:
Texto bom faz a gente se teletransportar para a mente do autor como uma realidade palpável.
Parabéns!!!
arrasou como sempre bê! O jeito que o capítulo já começa com a pancada, é legal que tem as duas perspectivas do msm acontecimento, gosto muito da forma como vc descreve cada detalhe dos ambientes, dos personagens, dos pensamentos, me deixa muito imersiva na história. E a Catarina sempre com fone de ouvido e dentro do mundinho dela me representou ksksk , ansiosa pro próximo 💛